terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Camões

III

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;
Num'hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um'hora.

Se me pergunta alguém por que assim ando
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha senhora.


Do livro: Sonetos para amar o amor

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Rebelião

Eu me rebelo, me rebelo, sim. Criei uma rebelião: contra a beleza. É bélica, é bela, é guerra.
É uma revolução. Vou mudar os meus sentimentos, que já não suportam mais a própria existência. Desgaste define. Agora a rebelião é outra: contra o amor. Contra as letras, e ao meu coração, destroçado por palavras de vão significado, que outrora eram de ouro. Como Midas, o Rei Midas. Eram ouro. As palavras proferidas e arranhadas eram de ouro, mas apenas para a beleza que os olhos percebem de um brilho intenso e comum. Simples. Sem fundamento, sem teoria, ocas. Palavras ocas, que se ouve o eco de longe. Nem o surto da minha voz atravessa esse silêncio. Palavras e imagem, imaginação e real. Nem o surto da minha expressão atravessa esse silêncio (ou sentimentos alheios).

Qualquer baque que eu levar não vai ser suficiente para me fazer desistir dessa rebelião.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Vida clássica

Juntarei moedas de cinco centavos, de semana em semana - para ter tempo de lhe esperar -, em um pote bem grande de cozinha. Comprarei uma vitrola e alguns clássicos do rock, para ser mais agressiva.
Enquanto isso, eu vivo a paz, com meus discos de música clássica e meus cigarros fortes. De um em um centavo, de ano em ano, farei cópias das minhas chaves. Quando lhe entregar, que as tenha por definitivo, e que me entenda como uma pessoa séria. Jogarei fora o que possuo de clássicas para cultivar um amor moderno.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Bellitiae (Sobre a beleza)

É tudo sobre o que se sente. Se for para pensar, acenda um cigarro. Espaireça a mente.
Em pleno céu negro e constante, quatro horas são marcadas no relógio, e assim como não há pessoas na rua, não existem estrelas acima da minha cabeça. Também não se vendem cigarros. Preciso de algo que me mantenha aberta para pensar.

E se for tudo sobre o que a pele sente?
... Tenho certos costumes provindos do nervosismo do devanear em excesso. A beleza da pele está no sangue, na vermelhidão ardente, nas marcas da leviana violência. Unhas são garras, alvos, o corpo. Marcas são cicatrizes, e cicatrizes são lembranças.

Acredito que tudo seja sobre a beleza.
Aquela que eu, somente eu, vejo.