quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Camilo Pessanha

Caminho

I

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque só é madrugada quando chora.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Passos

Escuta-se os fortes passos no piso de madeira, apressados, inquietos, penetrando os ecos da vazia casa. Passos que interpretados dirão o quão rápidos querem estar, mas que vistos verão o quão solitários estão.
Afundam o assoalho de tão grosseiros, de tão altos, de tanto berrarem em busca de passos semelhantes; ou tão infelizes quanto. Querem companhia, querem um som a mais. Estão cansados de ouvirem seus próprios sapatos todos os dias, todas as noites.
Andam em círculos, vagueam pela casa, adentram nos cômodos; em vão, sabem disso, pois não há nada naquela vazia casa abandonada. Tudo o que havia de precioso foi-se. Objetos que o tempo levou, lembranças que vidas passadas esqueceram, e vestígios de amor. Os passos cessam ao verem aqueles mesmos rabiscos escritos na parede da sala; aqueles feitos nos tempos em que os passos eram tranquilos, delicados e serenos.
Estes passos não aguentam mais andar. Querem liberdade, querem estar do outro lado da porta; mas sempre que tentam escapar, são rebatidos pelos seus próprios ruídos. Querem sair, mas não querem abandona-la.
Passos amigos nunca os ouvirão. Nem a súplica salvará.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Penhasco

Vou cair do penhasco!
Ao tropeçar em meus próprios pés,
o que me salvou foi esta corda que me prende ao topo.
A gravidade está me puxando de volta à Terra...
Minhas mãos estão fracas,
suando,
vermelhas,
e sangrando.
A cada pingo de sangue que sinto cair em meu rosto,
mais me desprendo.

E agora que estou no chão,
com meus ossos quebrados,
nem chorar de dor consigo mais.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Ódio II

Ah, mas eu mato todos hoje.
Essa sede por sangue que eu nunca havia sentido...
Quero o meu,
o seu,
de todos.

Quero quebrar este meu coração de vidro com a mãos.
Sentir os cacos perfurarem minha pele,
e o sangue escorrer.
Então vou passá-lo em meu rosto
e deixar o ódio fluir.

Silêncio! II

Sem formalidades.
Fiquem quietos e me deixem pensar.
Estou ficando irritada e cansada.
A cada palavra, mais no fundo me vejo.
Preciso do meu próprio incentivo, e já basta o apoio alheio.
Agradeço o amor, mas agora é o próprio que não vem.
Portanto, calem sua bocas.
Raiva é a última sensação que preciso.
Não aguento o cansaço, quem dirá a ira!
Estão me desanimando.
E ainda acham ruim o meu refúgio?
É o que mais preciso - ficar sozinha.

Silêncio! I

Senhores, silêncio!

Suas vozes ficarão roucas.
Quanto mais sussuram,
murmuram,
apenas distante venço.
Estou perdendo meu senso;
e insisto que calem suas bocas.

Que cessem as cobranças...

domingo, 20 de setembro de 2009

Impulsos

E agora?
A ansiedade acabou saindo em meio a impulsos.
Ah, me declarei pra belas pessoas,
sentimentos passaram,
continuo me punindo,
dei um tempo ao amor,
matei-o,
ressucitei-o...
Para que mesmo,
se estamos de volta ao começo?

Comodidade

Não quero mais escrever poemas.
Se tentei ser algo, fui mal sucedida, sim.
Tentei ficar de pé, mas a poltrona sempre foi mais cômoda.
O que fazer quando os pés começam a sangrar de tanto nada fazerem?
Assim não dá mais para caminhar, nem levemente.
Cairá de joelhos, e logo será sua cabeça no chão, envolta pela poça vermelha proveniente de seus pés.
Não tente chegar onde sabe que não chegará. Este esforço sempre foi em vão, conhece os fatos.
Ah, e verá como dirão "Te avisei que não aguentaria."
Se nem ao menos acreditei em meu potencial, por que eu esperaria confiança alheia?
Repito: criança egocêntrica preguiçosa que só o que faz é chorar.
Sua vida é triste, pois não respeita nem as três leis da felicidade.
Conhece seus erros. Por que não tratá-los?
Entendo... A comodidade. Coisa difícil de se cuidar.
Ora, garota, levante-se!
Seus pés se acostumarão, e o sangue cessará.
Aguentará a dor por mim?
Não, sofra. Merece toda a dor do mundo. Sofra, fisicamente.
Só de ser quem é, é um sofrimento. Agora arque com todas as suas consequências.
De nada entende, de nada sabe, de nada conhece. Que pessoa fraca...
Tão frágil que sinto vontade de pegar e apertar, até os cacos de seu coração perfurarem minha pele.
Quanto exagero...
Mas se a vida não a agraciou, será pelo esforço?
Conhece essa palavra?
Sente-se atada a essa cadeira?
Perca seus pés sentada.
Escreva seus sentimentos.
Não se esqueça de mutilar seus braços, suas costas e, principalmente, seu rosto.
Nunca vi tão bonito sangue em minha vida.
Deixe suas olheiras mais escuras que o normal.
Perca o resto de sua saúde.
Abaixe sua imunidade.
Logo não cairá nenhuma gota sequer.

Não vê que enquanto não se levantar dessa maldita poltrona sua vida será uma derrota, um abismo sem fim, depressões e melancolias, um fracasso em todas suas ações?
Ainda questiona o por quê de ser tão feia, em todos os sentidos. Não merece nem uma unha de seu corpo, ou um dia sequer de sua vida.
Sinto nojo de mim mesma. Insensível ou irônica?

Tenham certeza de algo: vou me calar, me isolar.
Não terão motivos para reclamações, para críticas, ou qualquer outra coisa.
Volto ao meu pequeno mundo depois de um ano...
Mas não foi uma luta sair de lá?
Foi uma conquista, mas não encontro mais motivos para permanecer aqui.
Se tenho que me fortalecer, sozinha o farei.
Dependência é comodidade.
Solidão é independência de pensamento.
Em vez de insensível, irônica.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Paulo Leminski

Distâncias mínimas

um texto morcego
se guia por ecos
um texto cego
um eco anti anti anti antigo
um grito na parede rede rede
volta verde verde verde
com mim com com consigo
ouvir é ver se se se se
ou se se me lhe sigo?

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O mínimo do máximo

Tempo lento,
espaço rápido,
quanto mais penso,
menos capto.
Se não pego isso
que me pega no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
simplesmente disfarço,
apenas o mínimo
em matéria de máximo.

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Signo ascendente

Nem todo espelho
reflita este hieroglifo.
Nem todo olho
decifre esse ideograma.
Se tudo existe
para acabar num livro,
se tudo enigma
a alma de quem ama!

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Merda e ouro

Merda é veneno.
No entanto, não há nada
que seja mais bonito
que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam padres,
cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compare
à bosta da pessoa amada.

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"O ideograma de kawa, 'rio', em japonês, pictiograma de um fluxo de água corrente, sempre me pareceu representar (na vertical) o esquema do haikai, o sangue dos três versos escorrendo na parede da página..."

amei em cheio
meio amei-o
meio não amei-o

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rio do mistério
que seria de mim
se me levassem a sério?

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choveu
na carta que você me mandou

quem mandou?

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temporal

fazia tempo
que eu não me sentia
tão sentimental

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tudo dito,
nada feito,
fito e deito





Do livro: Distraídos venceremos

domingo, 13 de setembro de 2009

Auto-crítica

Ironicamente triste;
surpreendentemente risonha;
previsivelmente desanimada.

Risos

(09/09/09)

A risada sai facilmente,
Faz-me feliz,
boba
e alegre.

A gargalhada vem de pouco pensar.
Esqueço-me, enfim,
das preocupações
e do íntimo.

De tantos risos, choro.
O acúmulo de pressão
em meu coração...
Ah... explodiu.

A onda,
apenas para mim,
finalmente transpareceu;
enquanto continuo a rir.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Confusão

Há dias meu coração
nunca esteve tão audível.
Apenas recostando-me
ouço grandes tambores e a mim.

Trêmula, joguei a todos
minhas mais confusas palavras.
Impulsivos segundos de insanidade
tonaram-se horas.

Incerta de minhas certezas,
divago sobre minhas mentiras serem verdadeiras.
Talvez egocêntrica demais
para admiti-las.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Reflexão II - Felicidade

Se a felicidade vem de três etapas -
uma vida cheia de prazeres e satisfações,
ser um homem livre e responsável,
e um filósofo, questionando feito criança sobre o mundo -
sei bem onde estão meus erros.

Se as virtudes são os meios-termos de ouro,
nem de mais, nem de menos,
o difícil é chegar nesta parte.
Sei por onde trilhar,
sei onde quero estar.

O equilíbrio determina o bem-estar.
A felicidade e a virtude provêm deste.
A metade de uma longa linha, chamada caráter.
De um extremo ao outro,
a vivência é o que move.

Amor IV - Sobriedade

Palavras agressivas,
ações subentendidas.
De que valem as intenções,
mesmo bem intencionadas?

A raiva já não me controla,
mas o cansaço tomou posse.
Persisto no erro,
ou no que me faz feliz?

Estou com medo do que me aguarda;
de ler o que me escreveu.
Estou desesperada,
enquanto, trêmula, choro.

O amor não move vidas,
mas dá uma razão a viver.
E um amor febril?
Eu sei, estou quente.

Só quero meu amor
e nossa paz de volta.
Não esqueça de trazê-la,
junto com a sobriedade.