quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Sobre mundos

Sou a fumaça do meu cigarro, e fui engolida por mim mesma. Tossi, tossi e tossi. Mas a garganta ainda arranha. Estou dentro de mim de muitas maneiras possíveis. Não sou apenas a fumaça, também sou a comida, as roupas, e principalmente minhas palavras. Não necessariamente as faladas, porque as ideias ecoam. No auge do breu da madrugada, em um mundo de frases, textos, narrativas e poesias, existem palavras ecoando. É um mundo infinito, porque são incontáveis as palavras desse mundo, a cada parte se falam palavras diferentes, mas as que marcam, ecoam nesse mundo. E aí se pode visualizar o mundo: se resume a um quarto, ao lado do quarto dos pensamentos e das ideias. Por uma porta, ou qualquer fresta que se abra, as palavras ecoam e filosofam no outro quarto. E continuam a ecoar, a existir com sentido maior, com significância. Em frente a esse quarto, está o mundo dos sentimentos. Este já é mais peculiar. É como uma visão de ver o mundo, mas materializado é apenas a natureza. O mundo dos sentimentos exteriorizado são como membranas que nos envolve, e se sente, porque se é uma visão, se vê - se vê com o coração. Coexiste com o mundo das sensações, e esse é o mundo mais aventureiro, porque, como as palavras, existem incontáveis sensações no mundo. Existem incontáveis pessoas do mundo. Logo existem inimagináveis mundos no mundo. Mundos e mundos dentro de uma mente, um universo inteiro de mundos dentro de uma singular pessoa. O que vem de mim é um mundo completamente diferente de qualquer outro, como a minha fumaça, por exemplo. É parte dos ares que respiro, e sai de mim um mundo distinto de ares expelidos.
Uma pessoa com um humor possui um universo de mundos, então cada pessoa tem cada universo de acordo com cada humor, e humores, durante a vida, se diferenciam. O momento é outro, as circunstâncias. Humores são únicos, a cada momento, tudo é único. Uma ideia é única, o que se repete são os lugares comuns da vida. Assim, cada pessoa tem infinitos universos. E as interações entre gente, bichos, natureza, momentos e infindáveis coisas são trocas incríveis de energias que regem os nossos universos. Com tantos universos em um mesmo mundo, algo há de existir entre tantas presenças que faça, além das leis da física, o mundo girar. Ou existir. E existe: são energias que manifestamos e recebemos, são as leis da gravidade e do eletromagnetismo. Energias próprias e alheias, em contínua função.
O que torna o mundo em que todos compartilhamos o "perpétuo assombro" é a singularidade de cada quarto, cada mundo, cada universo, cada complexo de universo, cada interação. A incrível capacidade de se maravilhar.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Atrito

Se somos energia, estamos em atrito todo o tempo, então, se imagina isso visível, me verá me apaixonando, mas se realmente o ver, verá que dentre paixões, tenho um amor.

Machado de Assis

O espelho

"Quatro ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a disparidade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo. Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinqüenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual eeterna. Como desse esta mesma resposta naquela noite, contestou-lha um dos presentes, e desafiou-o a demonstrar o que dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refletiu um instante, e respondeu:
- Pensando bem, talvez o senhor tenha razão.
Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três minutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão tornou-se difícil, senão impossível, pela multiplicidade das questões que se deduziram do tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, - uma conjetura, ao menos.
- Nem conjetura, nem opinião, redargüiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso de minha vida, em que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas...
- Duas?
- Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para entro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira."


Do livro: Papéis avulsos

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sobre o que mudanças são capazes

Do amor que antes era certo, com mudanças se tornou quase inimigo, mas também introspectivo.
A vida se tornou mais sozinha, mais apenas a cidade e eu. Eu, sem graça por ser nova, fiquei um pouco sem graça por ser jovem. Encaro a cidade de baixo e não sei muito bem o que dizer. O que posso fazer agora? E daí tentar se dar um pouco para esta cidade, e se dar além do ascendente, ser o que é, pensar em voz alta, eu quero ser assim, quero isto, quero ir a praia, quero ser boêmia e sê-la só. Quero conquistar algumas coisas e então estou sozinha, quero repetir umas palavras e insistir e persistir até onde der, porque não há o que perder se estou só.

Cenas

A primeira cena começa assim: abro a porta do meu quarto e te digo: - É assim que está a minha vida; e você pode me responder com algo óbvio como "Bagunçada...". Na segunda cena eu abro algumas portas da minha mente e não preciso dizer nada, você vai sentir. Nas próximas, eu, talvez, apresente outras portas, frestas, janelas, buracos na parede, até prisões da cabeça, e pergunto se ainda quer continuar com isso. Você me responde que sim, e então outros orifícios se abrem. A cena final se aproxima. Eu também conheço você, e você me conhece cada vez mais, e eu também. As últimas cenas são os motivos pelos quais nós estivemos encantadas o tempo todo, nos mavarilhando com o assombroso. Assim, se possível, cativaremos o espectador uma lágrima o surpreende: a cena final algo terrível acontece e todas as portas, janelas, buracos, orifícios em geral, são fechados.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Insônia

Comecei a desgostar do nascer do sol. De tantos que já vi, nessa virada do preto para o azul para cores tão claras, são novos inícios. Mas novos inícios marcados de quando acordamos para um novo dia. E se eu não dormi, e meu início não foi marcado?

domingo, 20 de outubro de 2013

Corte

Não penso em descobrir como é cortar a pele humana, escolher uma faca, afiá-la e enfiá-la. Arrastá-la. Aprofundá-la, e arrastá-la mais. Só consigo imaginar. Descobri como é cortar papelão com um estilete, e com canetinha vermelha minha imaginação voou até um filme de suspense. Desses que eu tremo só de ouvir a música do suspense, e grito junto com a vítima - ela agora morta e eu aqui, com medo e com as mãos tampando os olhos: não quero ver. Mas agora eu me imagino no lugar do assassino, cortando uma vítima de papelão. Pode ser o meu rosto, o meu corpo, um boneco de palitos, um desenho surrealista, ou com cortes retos, algo de cubista. E de um papelão grande eu me cortei, porque a vítima sou eu, desenhada com canetinhas esferográficas. E talvez depois disso eu queira experimentar em mim, mas é como nos filmes, a ideia de cortar a pele me deixa nervosa; nem cogito. O que é péssimo, porque eu adoraria, porque não sou uma pessoa violenta.

Vida de cinzas

Eu sei que a culpa é toda minha. Se eu sofro é por mim, se eu me perco é por mim, se eu esqueço é por mim, se eu fraquejo, unicamente por mim. Não há desculpas que possam deduzir ou solucionar ou apenas silenciar o problema. Por mim, eu sinceramente não sei o que faria. Por você, é uma pena, mas você não se inclui nessa história. Então, por mim, eu poderia estar grogue por agora ou por ora, poderia estar faminta, de ideias e de fome, poderia esfriar meu corpo no externo e me manter quente de ira internamente. Não quero congelar ou queimar, mas ah, como eu me queimo de ira, queimo palavras, queimo olhares, queimo cigarros e de mim sai fumaça, pela cabeça, pela boca, pelo ouvido, porque eu quero silêncio, silêncio dentro de mim, então eu queimo, queimo tudo o que tem dentro, e só sai fumaça e cinzas, que estão espalhadas pela casa, pelas roupas, e deixaram minhas roupas cinzas, ou até pretas, e daí são as únicas cores que visto, porque até minhas roupas se queimaram ao entrarem em contato com a minha pele, e dela surgiu uma caveira, porque meu rosto também se queimou, então tenho uma caveira em minha pele, porque a carne já sofreu, agora restam aos ossos, já frios.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Mia Couto

Solidão

Aproximo-me da noite 
o silêncio abre os seus panos escuros 
e as coisas escorrem 
por óleo frio e espesso 

Esta deveria ser a hora 
em que me recolheria 
como um poente 
no bater do teu peito 
mas a solidão 
entra pelos meus vidros 
e nas suas enlutadas mãos 
solto o meu delírio 

É então que surges 
com teus passos de menina 
os teus sonhos arrumados 
como duas tranças nas tuas costas 
guiando-me por corredores infinitos 
e regressando aos espelhos 
onde a vida te encarou 

Mas os ruídos da noite 
trazem a sua esponja silenciosa 
e sem luz e sem tinta 
o meu sonho resigna 

Longe 
os homens afundam-se 
com o caju que fermenta 
e a onda da madrugada 
demora-se de encontro 
às rochas do tempo 

domingo, 4 de agosto de 2013

Escuridão

Uma noite encontrei um mago que me disse sobre a escuridão. Desde então tenho este pavor. O mago me contou que no breu eu não veria nada, nada à minha frente nem nada na minha mente. Até meus olhos se acostumarem com o escuro do ambiente, ou da mente, eu não poderia saber o que poderia acontecer. Então eu temi, temi a mim, temi a meus pensamentos, porque eu não poderia controlar meus passos ou pensamentos se não enxergasse um palmo à minha frente, ou na minha mente. O movimento brusco ou delicado não seria diferente, porque a escuridão tudo engole. O pensamento agressivo ou carinhoso não seria diferente, porque a escuridão tudo suga. E esse mago me disse que a escuridão só passaria para mim quando o sol nascesse, não no horizonte, mas na minha mente. Desde então espero o sol nascer.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

B de cidade

Me desapego da cidade
mas não deixo a letra:
brisa de árvores,
barulho de embates,
boemia de santas,
bares de savanas,
bairros de gemas
babilônia de índios,
bahia de edifícios,
bagunça às dezoito,
bruma às cinco,
meu horário preferido,
céu azul do preto ao marinho.
Me despeço da cidade,
mas não deixo a letra,
belo horizonte, barcelona.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Crônica de um ônibus

Se, por um minuto, eu tivesse pensado certo. Se eu tivesse escolhido já a camiseta certa a vestir, a maquiagem a usar, o sapato a calçar, o horário de sair. Se tivesse me resolvido antes, não teria perdido um ônibus. Mas eu perdi, perdi e estou no ponto do ônibus, prestes a um colapso, porque eu perdi um ônibus. Se eu estivesse nele, agora, já estaria onde eu deveria... Gostaria, talvez não deveria, mas onde eu, na minha cabeça, pensei de súbito que gostaria muito de estar. Saí com pressa, no banho pensei na roupa, enquanto penteava o cabelo no sapato, e, se, por um minuto, eu tivesse me antecipado, estaria já lá. Estaria com a mulher com quem eu quero e gostaria de estar. Nesta noite de ventanias só consigo querer estar entre ventos, com a cabeça nas nuvens, na companhia dela. Saí de casa de repente, dura, dura na carteira e dura por ela. Dura da cabeça, porque me esqueci de comer. Se eu me esqueço de comer, seria dura com ela. E, se, por um minuto, eu tivesse me decidido antes, não estaria com fome. E agora estou dura da barriga e dura por ela. Voltar para casa não é opção, nem por um minuto, quando estou assim, decidida a encontrá-la, mesmo que dura de cabeça, barriga e carteira, mas cheia e explodindo por ela. Dura por ela. E assim vou me manter até que passe um novo ônibus.

domingo, 28 de julho de 2013

Conserto

De tanto em tanto tento realizar um concerto, com teclas e cordas e acordes perdidos.
De tempo em tempo tento acertar os meus consertos antigos, antes eram remendos e agora desconcertados.
De tato em tato tento tocar o concerto que meu coração queira acertar, sentir no dedo o som dedilhado de cordas soltas.
De teto em teto tento me consertar dos tropeços e das torpezas, cada pessoa é um teto e um lar.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ana Cristina César

Fagulha

Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.

Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las.

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
do nascimento a mais da palavra.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Lúcia Castello Branco

Coisas difíceis de dizer

Que não queremos mais comer
Que o amor acabou
"Por favor, não me abandone"
Adeus

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Quereres

Querer estar e não estar.
Querer isolar-se e não ser uma ilha.
Querer sentir mas sentir duas coisas
ao mesmo tempo ou ora uma
ou ora outra ou ora ao mesmo tempo.
Querer explodir mas explodir
por dentro e não por fora.
Querer e não merecer.

domingo, 9 de junho de 2013

Degraus

Foi preciso tatear escada abaixo para não cair neste escuro. Passos gentis e pacientes, porém medrosos; não sei o que me rodeia, o que me aguarda. E esta façanha, de descer os degraus, soluciona o mistério do que haveria de tenebroso no fim da escadaria: afinal, apenas eu tive o prazer de guardar tão intensas e amáveis lembranças.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Parede preta

Escrevi nas paredes coisas de loucura com
tinta preta e letra simples.
Marcadas, as loucuras, elas podem
pairar por entre os sonhos e encontrar
algum lugar que se fixem e pensem,
talvez, com suas loucas mentes,
loucuras de como ser, de onde estar,
de qual viver - o sonho, a parede, o ar
ou a realidade, afinal, se é louco,
nada convencional há de ser, estar ou viver.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Oceano além

Não sou muito além
do que é passível de ir além:
sigo além até o além de um oceano.

Não vou muito além
do que é possível de partir além,
ando além pela margem do oceano.

Não dou muito além
do que é perceptível de agir além;
faço além do além do oceano.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Tempo impassível

O tempo não passa, o
tempo não para, o
tempo não passa, o
tempo não parte, o
tempo não passa, o
tempo não pare o tempo
bom; o tempo ruim
não passa, o
tempo não perece.

Ponto

Minha mão treme;
escrevo torto, pois;
desenho torpe,
atenta ao ponto, atrelo a letra.
Atravesso o trabalho de treinar
o próprio pontilhismo.
O preito, o principal ponto:
exposto na ponte,
apresentação;
prensão e pressão do pensamento

Posses

Só tenho as palavras,
só tenho a solidão,
só tenho a Federico,
só tenho a mim,
só tenho a dor,
só tenho a angústia,
só tenho a Ana C.
Só tenho o corpo,
só tenho o memorial,
só tenho o ódio,
só tenho o apego,
só tenho o tempo.
Não tenho o perdão,
não tenho o coração.

Alma solta

Como se
minha alma se desprendesse
do corpo, fico gelada por
dentro, já que minha
alma se desplantou, fico
leve, já que minha
alma se despendeu, fico
livre, já que minha
alma se despachou.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O que há?

O que há aí?
O que há?
Que tem aí?
Que tem você?
Que há aí de tal
habilidade que tem
em mim, que tem
em você, que toca
em mim, toca
em você; que há
de brilhante em
mim, em você, que clareia
tanto o dia, quanto
a mente, tanto o céu
quanto o coração?
Que há de revelador
sobre mim, em mim,
sobre mim, em você,
sobre você, em mim,
sobre você, em você?
O que descobriremos
sobre nós? Quando
descobriremos sobre mim?
O que descobriremos
sobre você? Quem de nós
descobrirá sobre nós?
O que há para descobrir
sobre mim, sobre você,
sobre nós?

sábado, 20 de abril de 2013

Ana Guadalupe

no quarto escuro


no quarto escuro não importa
se lá fora faz calor ou chuvinha
se são os zumbis ou as crianças da vizinha
às vezes dá na mesma
viver antes ou agora
nada existe no quarto escuro
se abrisse as janelas veria o cerrado
ou a caatinga ou o livro de geografia
aberto na página setenta
sobre a mesa onde está o quarto
ou então nada disso
veria londres ou nova iorque
grampeadas a um folheto de intercâmbio
aos pratos e bebês chorando
com molho vermelho pingando dos cantos
felizmente o quarto continua seguro
cobertores e travesseiros garantem em coro
que dá até pra mudar de nome no quarto escuro
na semana passada meu sobrenome era outro
e as horas de sono chegavam a 28
no quarto escuro não importa
se as janelas não são abertas há um ano
se é chuva de vento ou a tempestade do século
se lá fora você anda sem sombrinha
e vai acabar morrendo de pneumonia
por negligência minha

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Antiga paixão

Não sei se é a sua boca ou o seu olhar que me deixou tão interessada em ter minhas mãos na sua cintura, para te ter mais perto de mim. Enquanto acaricio, ternamente, suas costas, quero por seu cabelo de lado, para que nunca haja distância entre a minha boca e o seu pescoço. Vou dizer, a cada suspiro seu, o quanto está linda; e sussurrar com meus lábios nos seus, como eu te quero. A paixão é intensa, e meu desejo por você ultrapassa limites.

Joana ou Sofia

De música nada entende, mas sabe tocar alguns acordes. Ora, algo conhecia, sim. Era pouco, mas era sua melodia a que anos aprimorava. Era Sofia, ora era Joana. Joana têm dedos espertos, mente esperta, agilidade esperta, música esperta, mas lhe falta confiança para ser de todo esperta. Joana é adúltera; rouba de terceiros a paixão necessária para existir. Mas não a toma por todo, afinal, de tudo que sabe, Joana é esperta, e sabe que paixão de outro não é a paixão que constrói a confiança. Sofia sabe disso também, mesmo não sendo esperta. Sofia tentava, mas Sofia não era Joana. Ora era, ora não. Ora essa, Sofia sofria, sofre em silêncio porque não sabe fazer música, ou falar, muito menos parafrasear. Sofia sabe olhar as horas, e estas são suas inimigas, porque ora é hora de sofrer, ora é hora de morrer.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Ódio

Ódio é uma palavra muito forte, assim como o amor. Se um tem amor próprio, outro pode ter ódio próprio.

O ódio a si é ter a ciência de cada ponto de seu corpo e de sua mente. É saber que o corpo é regido por pontos finais. E desta subordinação um período composto por reticências. É poder interpretar o corpo como um conjunto de zeros, que resultam no nada. É conhecer a sintaxe do corpo e reconhecer que não é um elemento essencial; o corpo não é sujeito e muito menos predicado.

O ódio a si é ter a consciência de sua existência. Ter a percepção de que a vivência do próprio ser não é essencial. Ter o sentimento de inimizade consigo mesmo. Ter a moralidade de perceber que a ira e o rancor não são suportáveis. Ter a passibilidade de querer enfrentar as consequências da aversão a si próprio.

O ódio a si é ter a noção de sentimentos como caos. Repulsão. Raiva. Desgosto. Confusão. Paixão invertida. Vazio. Violência. Morte. Amor.

Caixa de reticências

...

Os dias são uma caixa de reticências. A cada... Momento... De dia... ... À noite... Pesadelos... ... Caindo de um abismo... Susto! Até pegar... No sono; é um pedaço de reticências. O sono é o ponto final, cada ponto se trata de um estágio diferente do sono. O sono do dia, o sono da tarde e o sono da noite:
as caixas de reticências são resultados dos pensamentos. Quando se espera por algo, se cria uma expectativa, e durante este processo... Até lá... O meio termo... O suspense.
Ou são a espera do acontecimento. Ansiedade... Nada... Nada... Nada... O nada é um silêncio que na escrita são reticências. Nada três vezes. O ponto do dia, da tarde e da noite.
Nada ou tudo, o que é nada é tudo. O silêncio diz muito. As reticências são três pontos finais. O nada são três tudos. Uma caixa de pontos finais que na verdade são reticências.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Pequenos espaços

Espaços
pequenos,
ínfimos
pontos
sobressalentes,
em vermelho,
em preto
e branco.

Espaços
pequenos,
ínfimos
pontos
espalhados,
extintos,
em sangue
sobre pele.

Espaços
pequenos,
ínfimos
pontos
elétricos,
na mente,
em caos
e tempestade.

Espaços
pequenos,
ínfimos
pontos
intersociais,
quebradiços,
na vida senão
na morte.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Florbela Espanca


Noite de Saudade

A Noite vem pousando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura ...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura ...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura ...
E eu ouço a Noite imensa soluçar!
E eu ouço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem ...
Talvez de ti, ó Noite! ... Ou de ninguém! ...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!


Do livro: Livro de Mágoas

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Girassol

Onde está, onde, que eu não encontro? Procuro por todas as partes, por todos os cantos, até nas poesias empoeiradas. Se eu limpá-las, talvez ache o que busco. Onde está? Se estiver nos versos, quando eu os tiver limpado, pode ser que sejam dourados. Onde? Até nas flores, pois estas curam dores, amenizam um coração angustiado; por serem tão belas, por serem tão expressivas. Até em um girassol, é possível que esteja em um girassol. O girassol segue o Sol, assim como eu. Meu pensamento nunca está longe da luz de um radiante girassol, da luz do Sol, da luz das estrelas. Há quem sofra ao ouvir as estrelas, durante a noite. Eu sofro desse mal, por isso mantenho a reflexão no Sol, em um único girassol, para poder ouvir sempre sua voz que me deixa tão angustiada de alegria. Talvez eu deva começar a procurar por aí, pelos girassóis.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Acalma minha alma

Acalma minha alma,
mentora,
abranda minha alma,
com sua calma,
acalma sua voz que
me acanha,
que toca minha foz,
- foz do Tibre,
sente compaixão de mim,
diz onde estão meus companheiros -,
me acompanha que
eu sigo sua voz,
calma, se acalma,
me alcança com
sua alma,
me acalma com
sua algoz alma,
tormento,
que alcanço a
torrente de sua foz,
tormentoso rio
da linguagem,
do alento da,
leitura.
Literatura,
acalma minha alma.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Federico García Lorca - 3

María: No me preguntes. ¿Nunca has tenido nunca un pájaro vivo apretado en las manos?

Yerma: Sí.

María: Pues lo mismo..., pero por dentro de la sangre.



Do livro: Yerma

domingo, 13 de janeiro de 2013

Angústia alguma me agoura

Angústia alguma me agoura
como o cômodo me contém;
o homem cômodo ou
o cômodo alcova.
De tal esconderijo se enrijece
de prosa em poesia,
o hediondo ente,
ser, homem, âmago,
seja o homem ou o âmago.

Angústia alguma me agoura
da maneira que a mulher,
amante ou mãe,
amada ou amiga,
mulheres, estas, minhas,
me arrematam.

Angústia alguma me agoura
como a ave negra,
o mau agouro de Turno.

Angústia alguma me agoura
de modo que melancolia
seja previsão ou predição
de um futuro em furna.
Câmara, gruta, antro,
o âmago encarcelado.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Federico García Lorca - 2


Novia: ¡Porque yo me fui con el otro, me fui! (Con angustia) Tú también te hubieras ido. Yo era una mujer quemada, llena de llagas por dentro y por fuera, y tu hijo era un poquito de agua de la que yo esperaba hijos, tierra, salud; pero el otro era un río oscuro, lleno de ramas, que acercaba a mí el rumor de sus juncos y su cantar entre dientes. Y yo corría con tu hijo que era como un niñito de agua, frío, y el otro me mandaba cientos de pájaros que me impedían el andar y que dejaban escarcha sobre mis heridas de pobre mujer marchita, de muchacha acariciada por el fuego. Yo no quería, ¡óyelo bien!; yo no quería, ¡óyelo bien!. Yo no quería. ¡Tu hijo era mi fin y yo no lo he engañado, pero el brazo del otro me arrastró como un golpe de mar, como la cabezada de un mulo, y me hubiera arrastrado siempre, siempre, siempre, siempre, aunque hubiera sido vieja y todos los hijos de tu hijo me hubiesen agarrado de los cabellos!



Do livro: Bodas de Sangre

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Federico García Lorca


Leñador 2: Debían dejarlos.
Leñador 1: El mundo es grande. Todos pueden vivir de él.
Leñador 3: Pero los matarán.
Leñador 2: Hay que seguir la inclinación: han hecho bien en huir.
Leñador 1: Se estaban engañando uno a otro y al fin la sangre pudo más.
Leñador 3: ¡La sangre!
Leñador 1: Hay que seguir el camino de la sangre.
Leñador 2: Pero sangre que ve la luz se la bebe la tierra.
Leñador 1: ¿Y qué? Vale más ser muerto desangrado que vivo con ella podrida.
Leñador 3: Callar.
Leñador 1: ¿Qué? ¿Oyes algo?
Leñador 3: Oigo los grillos, las ranas, el acecho de la noche.
Leñador 1: Pero el caballo no se siente.
Leñador 3: No.
Leñador 1: Ahora la estará queriendo.
Leñador 2: El cuerpo de ella era para él y el cuerpo de él para ella.
Leñador 3: Los buscan y los matarán.
Leñador 1: Pero ya habrán mezclado sus sangres y serán como dos cántaros vacíos, como dos arroyos secos.




Do livro: Bodas de Sangre

Ao mestre

Mestre, minhas palavras. Quero dizer que lhe orgulho, agora. Dificuldades sempre existem no caminho, e eu aprendi que eu mesma construo o meu. Quase comecei a acreditar em algum Deus; os sinais já eram uma alarde, mas eu tenho meu próprio andar, e resolvi que somos pessoas diferentes. Pensei querer seguir suas pegadas, porém encontrei o caminho certo, dentro de mim.
Eu lhe procurei tanto, mestre, que em anos eu pedi um socorro que nunca veio a mim. Mas segui em frente, quis ser firme, e gravei em mim sua lembrança mais querida, para me lembrar da veracidade que suas palavras tiveram em mim, e da persistência que essas palavras devem ter em mim. E tem, mestre, porque eu consegui.
Preciso de mais. Dizer que do passado só se têm os rastros, as pegadas, que das pegadas feitas na areia, o mar levou, e que não adianta olhar para algo que já se esvaiu. O tempo não volta, mas o tempo renova os sonhos. Houve e haverão tempos em que eu só quero convencer ao outros que no me llames de pesada, Pepa, que estoy muy sensible. Quero chegar, mestre, chegar até você. À mesma paz de conhecimento.


Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.


Citações

Eu quero conhecer mais! Você rouba minhas palavras e minha respiração: juro que estou com falta de ar, a bombinha de asma está na bolsa, já vou pegá-la. Não seja tão dura assim comigo; eu não sei amar. Pare de tirar minhas palavras. Meu silêncio é meu maior ato. Adoro seu jeito sincero, até na despedida seu trejeito é sexy. Não acaba mais comigo, mais do que já estou acabada. Do meu lado eu só quero chorar em prol da covardia. Estou pisando em um campo minado. Sempre pode mudar. Queria te ver uma última vez.

Medo da noite

Estou lutando para conseguir dormir. Lutando nesta cama, nesta noite, tentando arranjar espaço entre as cobertas e as tralhas. Tentei também arranjar espaço para escrever na minha agenda, mas entre os rabiscos de promessas não há espaços em branco. Tentei telefonar para gente de longe, longo tempo que não os vejo, e as linhas que existem entre os pensamentos de cada um estavam ocupadas. Quase consegui tomar um banho, se a água da minha casa não estivesse suja de negatividade. Não lavei as mãos, nem o rosto e nem os dentes.
Ainda luto para adormecer, mas a escuridão está tentando me amedrontar, dentre tantas ideias, tantas poesias, tanta luz que o Sol nos traz de dia, sinto os medos se mancharem de vermelho, aos poucos. Ao longo da noite.