quarta-feira, 31 de julho de 2013

B de cidade

Me desapego da cidade
mas não deixo a letra:
brisa de árvores,
barulho de embates,
boemia de santas,
bares de savanas,
bairros de gemas
babilônia de índios,
bahia de edifícios,
bagunça às dezoito,
bruma às cinco,
meu horário preferido,
céu azul do preto ao marinho.
Me despeço da cidade,
mas não deixo a letra,
belo horizonte, barcelona.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Crônica de um ônibus

Se, por um minuto, eu tivesse pensado certo. Se eu tivesse escolhido já a camiseta certa a vestir, a maquiagem a usar, o sapato a calçar, o horário de sair. Se tivesse me resolvido antes, não teria perdido um ônibus. Mas eu perdi, perdi e estou no ponto do ônibus, prestes a um colapso, porque eu perdi um ônibus. Se eu estivesse nele, agora, já estaria onde eu deveria... Gostaria, talvez não deveria, mas onde eu, na minha cabeça, pensei de súbito que gostaria muito de estar. Saí com pressa, no banho pensei na roupa, enquanto penteava o cabelo no sapato, e, se, por um minuto, eu tivesse me antecipado, estaria já lá. Estaria com a mulher com quem eu quero e gostaria de estar. Nesta noite de ventanias só consigo querer estar entre ventos, com a cabeça nas nuvens, na companhia dela. Saí de casa de repente, dura, dura na carteira e dura por ela. Dura da cabeça, porque me esqueci de comer. Se eu me esqueço de comer, seria dura com ela. E, se, por um minuto, eu tivesse me decidido antes, não estaria com fome. E agora estou dura da barriga e dura por ela. Voltar para casa não é opção, nem por um minuto, quando estou assim, decidida a encontrá-la, mesmo que dura de cabeça, barriga e carteira, mas cheia e explodindo por ela. Dura por ela. E assim vou me manter até que passe um novo ônibus.

domingo, 28 de julho de 2013

Conserto

De tanto em tanto tento realizar um concerto, com teclas e cordas e acordes perdidos.
De tempo em tempo tento acertar os meus consertos antigos, antes eram remendos e agora desconcertados.
De tato em tato tento tocar o concerto que meu coração queira acertar, sentir no dedo o som dedilhado de cordas soltas.
De teto em teto tento me consertar dos tropeços e das torpezas, cada pessoa é um teto e um lar.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ana Cristina César

Fagulha

Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.

Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las.

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
do nascimento a mais da palavra.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Lúcia Castello Branco

Coisas difíceis de dizer

Que não queremos mais comer
Que o amor acabou
"Por favor, não me abandone"
Adeus