terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Anderson Aníbal - 2

Peixe vivo

Meu coração é um paralelepípedo de sessenta e quatro quilos. Meu coração é um limão carnudo e cheio de suco. Meu coração é uma flecha. Meu coração é um poço. Sem água nenhuma. Meu coração é uma terra batida, rachada, desacreditada por qualquer lavrador. Meu coração tem sede. Meu coração é um desabrigado. Meu coração é um remédio muito forte, para dormir. Meu coração é um veneno. Meu coração é um cachorro que arde em feridas. E late rouco. Meu coração é roxo. Meu coração é um soco no olho. Meu coração é um dente de siso que não conseguiu nascer. Gosto de sangue. Beijo na adversidade. Meu coração é um covarde no meio da tempestade de gelo. Meu coração é um raio no meio da praia deserta. Meu coração é um apêndice. Uma fratura exposta. Meu coração é um toca-fitas roubado. Fio desencapado. Dedo enrugado. Ferrugem, maresia, hemorragia. Meu coração é um acidente nuclear. Um atropelamento. Um escorregão. Meu coração é um terrorista amarrado à sua bomba. Manteiga rançosa, fel de galinha. Almeirão amargoso. Meu coração tem azia. Meu coração é sem limites. Casa vazia. Papel de parede. Provisório. Meu coração tem listras verticais. Meu coração é marcado. Meu coração é um homem bruto, com muita força na mão. Aperta demais as torneiras. E os potes. Compotas de doce. Aflição. Meu coração é uma foice. Gelado, gelado, gelado. Um cubo. Meu coração é um afinador de instrumentos musicais. Meu coração é uma navalha. Lâmina de aço. Toco de cigarro. É uma cobra, um rato. Anda pelos cantos. Meu coração trai. Diz que nunca mais. E volta. E mente. É doce, cara limpa. Espinhoso. Meu coração é triste. E dorme pouco. Eu não tenho solução para o meu coração. Eu não tenho como me livrar dele, como arrancá-lo. Eu corro e fujo e danço e me jogo sobre os carros. Eu me lanço aos beijos e abraços. Eu me deito, eu me levanto. Eu bebo um pouco mais de vinho. E como, como, como. Eu saio dizendo o que não devo. Eu me arrependo. E me açoito. Eu me desculpo. E me compreendo: meu coração é um peixe vivo, saltando, querendo encontrar o mar.


Do livro: Alguns leões falam

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