segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Sofia e a insônia
Sofia não gostava de tomar banho. Também não lhe apetecia estar suja. A gota de suor que descia da testa percorria seu rosto, grudava em seu pescoço, e lhe dava a sensação de umidade. Uma umidade desagradável, suja. Esta é a palavra que Sofia não gostava quando lhe era referido a seu corpo: sujo. Porém, o indesejado é o ritual para o banho. Tirar a roupa e se deparar com seu corpo. Sujo. Suado. Sofia sabia o que esses fatores causavam. E, religiosamente, tinha que seguir seu próprio ritual. Mecanicamente. Inconscientemente. Fervorosamente. Compulsivamente. Os dentes se apertavam, sentia a tensão, a força. Prestes a quebrar um dente caso se perdesse a razão - desmaio. A pele, úmida, escorregadia, deixava seus vestígios embaixo das unhas de Sofia, agora pretas nas pontas. Observava as mãos, os dedos, as unhas, o canto das unhas. Era tudo tão desorganizado e feio, e sujo, como todo seu corpo, todo seu quarto, toda iluminação que lhe permitia enxergar bem sua pele, toda sua mente, e toda sua vida. Em vão tentava limpar as unhas, porque recomeçava o ritual em outro canto do corpo. Se seu objetivo, um dia, fora arrancar a pele fora de tanto desgastá-la, não estava tão longe assim do objetivo. Por ora contentava-se, Sofia, de marcá-la. Um dia depois era vermelhidão. No segundo após, uma casca. No terceiro, a casca estava quase saindo. No quarto, conseguia arrancá-la. No seguinte, tudo novamente. Até completar o corpo inteiro. Sofia sabia gozar pelo corpo inteiro. Assim como sabia destruí-lo por inteiro. Numa dessas, Sofia desconfiava ser autodestrutiva. Se boicotava para lamentar o próprio boicote. Para se punir por ter se boicotado. Para se refugiar, também, dos boicotes externos. Dos seus boicotes a outras pessoas. Mas, apenas desconfiava, enquanto, após o banho, algumas horas depois de ter começado a tirar a roupa, estava sentada em sua cama, ainda nua, ainda úmida, mas desta vez limpa, arrancando feito um animal selvagem a pele do canto de sua unha, com os dentes, até sentir arder a carne viva em contato com o ar, e o sangue se espalhar pela fina cutícula.
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